Um pouco de história: 1001 Noites
Por Jefferson Sampaio
O nosso refúgio era
no motel “1001 Noites”, de Taguatinga. Quando entrávamos naquele
quarto, o mundo acabava, éramos somente nós dois, dentro de quatro
paredes.
As vezes nem
transávamos, ficávamos ali assistindo TV, sorrindo, beijando,
amando um ao outro, sem olhares de reprovação, sem ninguém dizendo
que aquilo não era certo, sem padrões de certo ou errado… era só
amor.
No fim da tarde, as
vezes da noite, a moça sempre dizia: “houve consumação?”. As
vezes tinha, pagávamos, outras não. Aquela moça, mesmo sem saber,
fazia parte de nossa história.
Lembro, ainda hoje,
da primeira vez que entramos naquele motel. Eu morrendo de vergonha,
ele também. Os nossos olhos entrelaçavam. Um entrou rapidamente,
depois o outro entrou e pedimos um quarto. Uma aventura inesquecível.
Depois de um momento
notamos que ali éramos só mais dois clientes. Certa vez, quando
íamos pagar notamos que havia uma fila com mais dois casais
(héteros) esperando para pagar também, eles nos olharam e nada
disseram. Eles olharam, simplesmente olharam, uma senhora ficou com
vergonha, mas os outros só olharam. Olharam como quem olha para um
desconhecido na rua, olharam como quem olha para uma vitrine de loja.
Aqueles olhares falaram muito. Eles não nos julgavam, eles não nos
ignoravam. Eles sabiam que estávamos ali, eles sabiam para o que
estávamos ali, eles sabiam que éramos um casal gay, mas não nos
categorizaram.
Os dois homens
tinham traços rudes, traços de homens “brutos”, que tiveram que
virar homem muito cedo. Provavelmente, cheio de preconceitos (como
todos nós somos), mas que naquele momento nos viram somente como
outros seres humanos. Nunca esqueço aqueles olhares.
Ali era o nosso
paraíso. Eu podia ser quem eu era, ele podia ser quem ele era.
Naquele lugar, nossos corpos se tornavam um só. As vezes em meio a
dor. As vezes em meio ao descontentamento. Naquele lugar, comemoramos
alegrias. Naquele lugar gozamos. Ele me sentia por completo, ao tempo
em que eu o sentia por completo.
Aquelas paredes já
faziam parte de nossa intimidade. O chuveiro, a pia, a mesinha, a
cadeira, a televisão, o cheiro de alcool… tudo compunha o quadro
de nossa relação.
…
O tempo passou, tudo
acabou, mas o “1001 Noites” continua lá. Nunca mais entrei
naquele motel. Nunca mais me permiti reviver todas as sensações que
aquele lugar guarda. Nunca mais.
O que ficou foi a
lembrança daqueles olhares.
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